You got to lose to know how to win.
— Dream on, Aerosmith.
Oi, tudo bem?
O texto de hoje é longo, mas suavemente desconexo. É como uma costura deixada pela metade em cima da mesa, porque precisei viajar. Estou dando os pontos finais (aqueles manuais de costureira, só para marcação de barra, para passar à máquina depois) diretamente de João Pessoa, capital do estado brasileiro que mais tenho consideração e sentimento, por ser a terra dos meus antepassados — e de certa forma minha, já que fui feita e gestada por cinco meses lá, além de viver dos seis meses aos três anos e meio no Brejo Paraibano. E o subtítulo diz muito também: deve-se ser Mistério. Faz meses que estou tentando preservá-lo, e acho que agora consegui encontrar uma porta de entrada.
Continuemos. Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe de mencionar particularidades úteis, que me pareçam acessórias e dispensáveis. Também pode ser que, habituado a tratar com matutos, não confie suficientemente na compreensão dos leitores e repita passagens insignificantes. De resto isto vai arranjado sem nenhuma ordem, como se vê. Não importa. Na opinião dos caboclos que me servem, todo o caminho dá na venda.
— São Bernardo, Graciliano Ramos
Maio foi o mês de muitas perdas para todo mundo, em especial os países em guerra — televisionada ou não — e a população do Rio Grande do Sul. O que faz também ser uma perda para o país. Antes de começar o texto preciso dizer o quanto discordo de cada ser humano de uma suposta esquerda que cogitou a possibilidade de dizer “bem feito” ao povo do RS por questões políticas e de preconceitos passados e presentes. É bem importante lembrar como há graves e intensos casos de racismo no mundo inteiro, inclusive São Paulo e Bahia — este último o estado com maior população negra, mesmo assim (ou por isso mesmo) com casos graves de crimes raciais (sei de um professor indígena constantemente ameaçado de morte e já com cicatriz de ataques naquele estado). O que quero dizer é que racismo não tem endereço. Nem xenofobia. Sou nordestina-sudestina e sei bem da xenofobia praticada contra a gente da minha família, mas enfim, não vejo lógica em quem brada por “direitos humanos” e na primeira oportunidade se comporta como “humanos direitos”. Muito se fala dos religiosos e adeptos das fake-news comentando ser karma ou castigo divino. Mas há um pseudo-progressismo com as mesmíssimas ideias. Sobre hipocrisia, inclusive, falarei mais adiante, porque somos todos hipócritas, afinal.
Bom, o que posso dizer pelo RS é que desejo recuperação o mais breve possível, em estrutura, em dignidade humana. Claro que há que se politizar, que se cobrar em todas as instâncias. E ajudar, sem ver a quem. Não pratico cristianismo, mas gosto de retirar as boas ideias de todos os livros, e A Bíblia vem do grego, significando justamente “O Livro”:
Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.
Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita;
Para que a tua esmola seja dada em secreto […].
Mateus 6:2-4
Mais sobre essa calamidade pública em todos os canais que vocês já acompanham. Ajudem. E leiam a
, que mora lá:Na vida particular, as perdas foram dois falecimentos em cinco dias: da mãe de um amigo muito próximo, senhora que não cheguei a conhecer pessoalmente; e de uma prima que tive pouco contato, mas mortes que me abalaram profundamente. Também perdi expectativas, me desiludi, me enganei. E ganhei muitas outras coisas no lugar, como compensação ou Destino. Tenho entendido que o bem não sucede o mal: eles andam mesmo de braços dados num romance astral, como bem disse Raulzito.
… Eis
Adoro um vídeo que me apareceu no Explorar do Instagram, porque concatena com pensamentos herméticos, ou mesmo visões matemáticas que tenho em mente. É sobre ter e não ter, ser e não ser. É tudo a mesma coisa.
No vídeo, o saudosíssimo Abujamra diz para Ziraldo que foi um fracasso como diretor de teatro, mas acabou sendo um sucesso como ator. No final das contas, comparando esses dois extremos, percebeu que nada mudava, além do fato de ele receber elogios e convites. Depois, ele termina o vídeo com um mistério maravilhoso: o Amor, A Fidelidade e A Confiança só são bons, porque geralmente estão em falta. Assista, leia:
Não tem diferença o sucesso e o fracasso. Não tem diferença, é a mesma coisa. É a mesma coisa por dentro.
Outro dia eu tava lendo uma coisa tão bonita, tão terrível, tão “meu Tempo”… Dizia assim: ‘O Amor, A Fidelidade e a Confiança são consideradas coisas boas. O Não-Amor, a Infidelidade e a Desconfiança são consideradas coisas más. Mas isso é porque existe muito mais gente sem Amor, sem Fidelidade e sem Confiança. Se existisse muito mais gente com Amor, com Fidelidade e com Confiança, talvez essas fossem consideradas as coisas más.’
— Antônio Abujamra
Gosto de associar com o “sucesso” de ser visível nas redes sociais. Há toda aquela ideia do vício, da dopamina, do estímulo: você publica para ser visto, curtido, compartilhado, comentado, salvo. Mas… E daí? Muitas vezes, miramos um alvo específico, mas a flecha atinge centenas de outros — menos o alvo. Sucesso quantitativo, fracasso estratégico. Como numa das leituras que fiz de Eros e Psiquê, onde é dito que ele deveria atingi-la com uma flecha venenosa a pedido da mãe, Afrodite, mas acabou atingindo a si mesmo com a flecha dourada, fazendo com que o próprio Amor se apaixonasse por ela.
Comigo, que sou uma anônima lida por outros anônimos, consigo compreender bem essa ideia de Abujamra: escrevo há exatos 16 anos na internet. No início tinha uma sede mortal de ser lida, comentada, buscava comunicação. Não aconteceu por muitos anos. Até descobrir que era lida sim, mas não comentada ou curtida. As pessoas costumam me ler silenciosamente. Porém, quando comecei a descobrir os leitores silenciosos, fiquei sem jeito, assustada. Consegui o que queria e me apavorei… Quando recebo comentários, fico feliz. Há a comunicação. Mas quando há a comunicação, não sei o que responder, e pensar numa resposta me cansa, fazendo com que demore a interagir, ou nem interaja. Meu deus. Não é má educação, é mente em mau funcionamento.
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso, abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado
— Raul Seixas
É como Ouro de Tolo e Quando Você Crescer, compostas por Raul Seixas. Sobre alcançarmos aquilo que queríamos, ou que pensávamos que queríamos, estarmos falsamente satisfeitos e ainda assim com fome. Sempre lembro de Erisictão e Sísifo, talvez porque eu me coloque nessa situação sem saída, já que nem sei como entrei.
A Dona Aranha subiu pela parede
veio a chuva forte e a derrubou.
Já passou a chuva, e o Sol já vai surgindo,
e a Dona Aranha continua a subir.
Ela é teimosa e desobediente.
Sobe, sobe, sobe…
…nunca está contente.
Quanto mais tento sair, mais entro. Quanto mais tento pensar, menos entendo. Quanto mais tento sentir, menos choro, menos demonstro. Quanto mais tento me abrir, mais me fecho. Quanto mais eu corro, mais me atraso. Quanto mais eu tento acertar, mais acaba dando errado. Quanto mais tento dar, menos recebo — e quanto menos tento dar, mais recebo!
Belo casal que paga as contas direito
Bem comportado no leito
Mesmo que doa no peito
Sim
Quando você crescer
— Raul Seixas
Sinto, há mais ou menos nove meses, uma gravidez estranha. Não sei se haverá fruto dessa concepção encruzilhada, ou um aborto, mais uma testada no muro. Murro em ponta de faca. Não uma gravidez literal, obviamente. Mas o gestar de uma situação digna de David Lynch, onde eu sinto, com todo o espírito, que estou desconectada. Seja do Tempo, como se existissem duas pessoas num mesmo endereço, mas em datas diferentes; seja do Espaço, onde essas duas pessoas podem estar, na mesma data e hora, em locais diversos.
It's two hearts living
In two separate worlds
But it's no sacrifice
No sacrifice
It's no sacrifice at allMutual misunderstanding
After the fact
Sensitivity builds a prison
In the final act— Elton John
Como as roupas das passarinhas do Castelo Rá-Tim-Bum, onde a blusa de uma era da cor da calça da outra. Como uma sobreposição de duas cenas. Dois quebra-cabeças diferentes com a peça fundamental de um no outro. Como a abertura da maior série de todos os Tempos:
No. Nothing is ever over.
— Rust Cohle
Por essa desconexão e a fome da Presença, quando a presença acontece é como se eu fosse Abujamra: o fracasso e o sucesso são a mesma coisa… Felicidade triste, é possível acontecer? Pois me entristeço de tanta alegria, faço cara feia por amor, sorrio de ódio… Não sinto nada na presença e tudo na ausência. Fome. É o desejo que se mata quando se concretiza. Parece um desejo que não quer de jeito nenhum morrer. E quero assassiná-lo.
Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro.
—Rubem Alves
Bom… O que se encontra aqui é o desencontro. O descompasso. O desafino, o desatino. Há meses tenho esse sentimento de desTempo, destempero, onde parece que estou lá na frente interferindo no agora, enxergando tantas coisas menos o que realmente deveria ser visto. Como naquele momento nas queridas séries de investigação, onde o detetive está sem dormir, seguindo uma pista que o xerife chama de “circunstancial”, e não o fato, de fato. “You believe it, ‘cause you got a hard-on for the guy and you wanna believe it” diz o xerife Moe Dammick, e “We see what we believe, not the other way around", diz V. M. Varga, na terceira temporada de Fargo. Às vezes, o xerife e o antagonista não estão tão errados assim…
É, bem... O Diabo mora nos detalhes, não é? Escrevi tudo o que pude. Tentei capturar o momento, sua essência. Porque você nunca sabe o que vai ser, ou sabe? A pista essencial, improvável. A coisa que, lá no fundo, talvez meses ou anos depois, vai te fazer dizer "Ah."
— Rust Cohle, True Detective.
Adoro o Rust Cohle, desde que o vi pela primeira vez, há dez anos. Naquela época, pensei que admirava homens assim por achá-los sexy e maravilhosos, inteligentes, rígidos, calados e com demônios pessoais. De fato são. O que me espanta, é que não os achava tudo isso porque queria tê-los como par romântico (oh boy, como eu gostaria… mas a vida já me mostrou como é miserável uma vida de Inaura, como a falta de comunicação ou de propósitos comuns é o fim), eu os achava tudo isso porque eu sou assim. Eu.
Que você, esse drama imenso, nunca passou de presunção e anseios ridículos. E você poderia abrir mão disso. Entender, por fim, que não precisava segurar com tanta força. Perceber que, por toda a sua vida, todo o seu amor, todo o seu ódio, toda a sua memória, toda a sua dor, foi tudo a mesma coisa. Foi tudo o mesmo sonho, um sonho que você teve dentro de um quarto fechado. Um sonho sobre ser uma pessoa.1
— Rust Cohle
Insônia, ansiedade, trauma, ironia, sarcasmo, Tempo, hiperfoco, obsessão investigativa, tristeza, desânimo, falta de Fé (a mais profunda Fé), desprezo pelo modo como a sociedade se organiza e se comporta… Solidão.
Algumas pessoas não conseguem compreender — e usam isso como justificativa política — como pessoas como Marx, que falam tanto de comunismo, etc. e tal, viviam com problemas familiares e financeiros. Não lembro exemplo melhor, mas o que as pessoas querem apontar aqui é a hipocrisia. Acontece que compreendo bem. Falo tanto de idosos, do Tempo… Tenho alguns como melhores amigos, é verdade. Mas não me conecto com os idosos sangue do meu sangue, mesmo amando-os. Sou daquele tipo que não tem quase contato cotidiano nenhum com família e parentes, quando sim sou ríspida, mas sou generosidade e gentileza com gente de fora. Como muitos de nós fazemos. Humanos… Demasiado humanos.
“O Rei do Baião”. Quem não te conhece que te compre, meu irmão. Um cara amado pelo povo! E que não conseguiu amar seu próprio filho. Que Rei é esse? Me diz: que Rei é esse?
— Gonzaguinha para Gonzagão em Gonzaga: de Pai pra Filho.
É como eu disse noutro boletim: os pós doutores num tema só o são porque nada sabem dele. Precisam pesquisar profundamente para poder compreender o que muitos já sabem de nascença, ou mesmo no analfabetismo. Por exemplo: é normal limpar a casa, aprender a arrumar a cama desde criança, ajudar nas tarefas. Coisas automáticas sobre limpeza e organização. Comigo não foi assim. Só peguei gosto por esse não-remunerado trabalho recentemente, quando precisei ritualizá-lo, dar sentido a ele. Lavar uma louça, um banheiro ou um chão falam mais para mim sobre lavar a minha própria cabeça, só que vendo isso externamente. Consigo resolver problemas morais e filosóficos conversando com o Mistério enquanto tenho uma vassoura na mão. Pode me chamar de bruxa: sou mesmo. Imagino que a maioria da população mundial não teorize tanto assim uma tarefa que envolve água, sabão, e obrigações.
Communication breakdown, it's always the same
Havin' a nervous breakdown, a-drive me insane, yeah
— Led Zeppelin
A necessidade de ser ouvido é uma das mais profundas, se não a mais profunda necessidade humana. Ser ouvido é ser legitimado em sua mediocridade — isso aí é extraordinário.
Eduardo Coutinho
E comecei a pensar — o que eu sei que é perigoso... Mas sabe, as coisas que eu vi na guerra, em casa, no trabalho... Tanta insensibilidade. Violência, sabe? E comecei a pensar sobre... sobre falha de comunicação. Não seria essa a raiz de tudo isso? Conflito, guerra... Tudo isso não vem da linguagem? Certo? As palavras que dizemos e as palavras que ouvimos, nem sempre são a mesma coisa. Então pensei, sabe, e se existisse apenas um idioma? Um idioma universal de símbolos, porque imagens, para mim, são mais claras que palavras.
— Sheriff Hank Larsson. Fargo
Sempre pensei que o problema da humanidade jamais foi educação, afinal, existem doutores criminosos, genocidas, cientistas que trabalham para a guerra e o desmatamento… Agora, comunicação sim. Tanto é que, como diria mamãe, é bíblico. Muito se perde por não estudar as filosofias das religiões: ali está a gênese da humanidade, quer o jovem radical queira, quer não. Engraçado, olha a comunicação aí: radical vem de raiz, a origem das coisas. E hoje os radicais são como cochonilhas que infectam plantas, roendo-as por dentro…
A comunicação possui vários problemas e artimanhas. É pela palavra que um político seduz um eleitor, que um ativista pode perder concordantes, pelo tom, pelos neologismos. Sou a favor do retorno à retórica, à oratória, no ensino básico. Mais etimologia nas aulas de qualquer linguagem. Idioma não é apenas tradução, é conhecer termos que foram criados por outros termos, derivados de outros termos.
A falta de palavra também é bastante problemática. Tanto uma pessoa que não tem palavra, como uma pessoa que não profere palavra, que não se comunica, que deixa o dito pelo não dito. Isso é sim? É não? É talvez? É nunca mais? Existe muito melindre no mundo, um medo de dizer, de ouvir. E quando se diz, quando se ouve, a mesma palavra sai de maneira diferente. O ilusionismo que se faz com as palavras… Bom, é assim que se vive neste mundo. O grande mal da civilização é sim a comunicação. O poder pela comunicação. Assim se coloniza, se conquista, se rouba, se abandona, se confunde, se faz o mal. O bem também, mas como diz Abujamra, o que é mal é aquilo que sobra.
Por isso devemos ter cuidado com redes sociais, regulamentar a internet. Palavras ferem, a falta delas também. É pela palavra que podemos engatilhar suicídios, homicídios, etc. É pela palavra que as big techs nos conquistaram, feito colonizadores cibernéticos, mas boa parte da população não se importa de fazer tudo olhando para uma tela, completamente escravizado. As doenças aumentam, ou talvez sintomas. E as doenças se inventam. Inventam porque é melhor ter um diagnóstico — tão incentivado pelo tiktok, quase como se um adereço feito uma pochete neon, uma camiseta de banda de rock, para de alguma forma a pessoa se sentir pertencente a uma causa — do que desligar o wi-fi e ir caminhar, do que plantar suas próprias verduras e comer, do que fazer exercícios físicos, do que ler um livro ou simplesmente observar o horizonte. Do que se frustrar. É preciso se deixar frustrar e sofrer. Nada de autoajuda, nada de remédios, nada de scroll infinito. Isto está acabando com nossa capacidade de foco e observação. Fazendo, finalmente, com que o mundo inteiro se torne uma idiocracia. Inteligência Artificial não é coisa boa, jamais será. A falta de conexão humana é que vai nos matar. O descarte de relações como se o outro fosse sempre o “tóxico” ou esse consumo exacerbado de gentes fossem o que se chama de liberdade. Liberalismo, eu diria. Neoliberalismo em seu ápice: Zygmunt Bauman previu isto há mais de uma década.
Atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubri mendimultipliorganiperiodiplastipublirapareciprorustisagasimplitenaveloveravivaunivora
cidadeSenhor cidadão
Me diga por quê— Tom Zé
Gosto de pratos limpos, de franqueza, sinceridade. Prefiro tirar o band-aid fora duma vez. Digo e, se errar, peço desculpas. Cansei de não dizer. Fico não dizendo para ser suave, para não assustar bicho mole… Mas onça só faz silêncio para abocanhar o crânio da presa, matando-a duma só vez que é pro bicho não sofrer de dor. Meu negócio é foco, decisão. E se for incerteza, que seja com afinco, para pelo menos dizer que teve vontade. Tentar, e tentar outra vez. Porque vida é movimento e não empurrar com a barriga preguiçosamente como um animal empanturrado ao sol do meio-dia.
Passei um dia na casa que foi de meu avô, com meu pai. Lá, andei no mato. Peguei ovos das galinhas poedeiras (papai disse que sou madrinha, porque lhe consegui o contato do fornecedor no Nordeste), caminhei com sapos no terreiro. Vi um morcego sobrevoar o poste em noite de Lua Cheia, enquanto, na fogueira, se assava milho. Caminhei até dois açudes. Mirei o Mistério com olhos fixos e peito aberto. Eu quero gente assim em minha vida. Não posso exigir que as pessoas sejam assim, que pulem cercas de arame e não corram de sapos e morcegos… Mas preciso criticar sempre a falta de fome de viver. De pegar a vida com as mãos como se pega um bebê no colo e levanta para cima, firme, para ele não cair. Daria tudo o que tenho, se tivesse alguma coisa, por um carro e uma casa no meio do mato. Adeus “civilização”, de AI, de videogames, de bares por outra coisa que não por amor à música, de quizas, quizas, quizas. Adeus preguiça de viver.
Como disse certa vez o cangaceiro Corisco, eu não tenho medo do futuro — desde que ele venha de frente. Sejamos frontais. Confrontadores.
Quero dar meu galope soberano. Eu prefiro um galope soberano, à loucura do mundo me entregar. Sei, com esse desejo, que devo me policiar para não me tornar mais um Paulo Honório, de São Bernardo. Porque minha impetuosidade às vezes é implacável. Então, preciso aprender a calar. E só dizer na Arte. Dizer causos e acasos. E o resto, deixar pra lá. É tudo um sonho mesmo.
Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige.
— São Bernardo, Graciliano Ramos
Termino por aqui, com arestas para aparar. Soube por Milton Hatoum e outros que Graciliano Ramos remexia Angústia a cada nova edição, por sempre se incomodar com o produto final. Pois serei assim também. Nos próximos textos farei notas de edição e prefácios. Melhor que não escrever…
E o Estúdio?
Em maio fiz tulipas de crochet para o dia das mães com minha parceira recorrente, a Débora. Mas a ideia é que minhas costuras não sejam apenas comemorativas, então você pode adquirir descansos de copo lindos na minha lojinha. Para facilitar, terei apenas essa loja e o catálogo no whatsapp, assim você compra pela plataforma ou diretamente comigo.
Pretendo atualizar o visual do site em breve, deixando-o mais funcional e agradável para leitura. Tenho ideias de texto que espero concretizar, pois já se foi meio ano e tenho umas duas ou três ideias em atraso, engavetadas.
Estou no processo de uma encadernação de livro complicada, então por enquanto não aceito encomendas de cadernos. Mas os próximos, garanto, terão mais bordados.
Claudinei disse que o movimento Romântico é caracterizado por aquele que sempre imagina um passado tal qual ele não foi e anseia por um futuro, se desconectando do presente. Que “nem todo ansioso é um romântico, mas que todo romântico é um ansioso”. Recomendo esse curso dele, que já fiz umas três vezes:
Dom Quixote e Fausto: dois mitos modernos da individualidade
Tradução da Amazon Prime com poucas melhorias minhas, mas ainda está péssimo hahaha.
Não tem diferença o sucesso e o fracasso. Não tem diferença, é a mesma coisa. É a mesma coisa por dentro. <3 Abuuu grandee, obrigada por lembrar isso ! sempre