Olá, tudo bem?
Primeiro, quero comemorar a primeira centena de leitores desta newsletter. Fico muito feliz com a companhia e com as conversas que acabamos tendo de vez em quando! Espero escrever enquanto houver vida, e saber que escrita é movimento e significância só me faz querer viver mais nas palavras.
Inclusive, me perdoem o excesso de informações no texto de hoje. Se eu não escrever, sinto que minha cabeça vai explodir. Leia aos pouquinhos, um parágrafo por semana, de repente. Um dia aprendo a ser pouquinha, ou a aceitar que sou o contrário.
Depois, esta é a última edição antes do natal. Se você problematiza o natal, meus pêsames. Se acha que a mudança de datas não interfere em nada, puxa vida, que vida parada! Comemorar, co-memora, trazer à memória, compartilhar a memória. Datas são marcos não só temporais, como de reminiscência.
Não que eu cumpra simpatias de final de ano, até porque amo o natal, mas detesto o réveillon. Para mim, vestir branco e beber muito como se o mundo fosse se acabar se traduz numa profunda melancolia, que só de lembrar sinto vontade de sair correndo. Mas deixemos reflexões de ano novo pra depois. Vim refletir ano velho.
Eu sei de muita coisa que não vi. E vocês também, eu sei. Não se pode dar prova da existência do que é mais verdadeiro. O único jeito é acreditar. E acreditar… chorando. Este show acontece num estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de um show inacabado, porque lhe falta resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo me dê. É um show em tecnicolor, para ter algum luxo, por Deus. Que eu também preciso. Amém! Pra todos nós.
— Maria Bethânia em O Pássaro da Manhã sobre Clarice Lispector em sua dedicatória para A Hora da Estrela.
Nunca antes nessa indústria vital senti a necessidade de rever o que se passou. Nesse mundo capitalista, tendemos a seguir sempre em frente, pois não temos tempo a perder. Então acumulamos experiências sem experimentá-las de fato, apenas dando check em nossa lista de coisas. O mundo do consumo se importa mais com quantidade do que qualidade de produtos, serviços, situações, relacionamentos.
E isso é péssimo. Uma mente ansiosa como a minha se sente completamente incapaz de viver, porque parece que viver está lá longe, no horizonte, e vivo em uma eterna pré-vida. Isso que sou totalmente intensa em minhas experiências. Quando eu danço, eu danço. Quando eu choro, eu choro. Quando quero silêncio, saia de perto de mim. Quando fico maravilhada, nossa, o mundo parece que cai sob meus pés e fico eu descolada da atmosfera lá em cima, no eterno Universo. Mas e depois? Depois dessa intensidade do clímax, parece que a mente se apaga, é uma ressaca. E é por isso que necessitamos da Memória. É muito angustiante uma vida sem continuações, sem rememorar, sem eco. Todo dia parece ser o primeiro, nunca o do meio, jamais o último. E volto aqui a minha eterna lembrança de Sísifo, que todo santo dia sobe a mesma pedra montanha acima, apenas para ela cair e ele ter que começar tudo novamente. É preciso imaginar Sísifo feliz, diz Camus, mas é fato que os deuses o haviam castigado pela eternidade.
Ontem a minha cabeça estava cheia — menos pior do que hoje —, e eu queria fazer algo que não fosse nem muito inteligente, nem muito idiota. Talvez eu devesse simplesmente ficar parada descansando os olhos astigmatas, mas não sei o que é isso, infelizmente. Queria ver um filme nessas mesmas condições, mas decidi por listar coisas que realizei em 2023 para me lembrar que a vida vale a pena. Como disse no instagram, só deus sabe como preciso das pequenas vitórias.
A cracking portrait
The fondling of trophies
The null of losing
Can you afford that luxury?
A sore winner
But I'll just keep my mouth shut
It shouldn't bother me
— A Small Victory. Faith No More
Parei em março, porque precisei abrir o Google Fotos para lembrar o que eu fiz. E essa atividade cansativa me fez matutar certas coisas da contemporaneidade que volta e meia aparecem em discussões com a Ana Silvia, a Maria, ou qualquer amigo da Museologia ou Biblioteconomia.
Ter uma conta na nuvem com não sei quantos terabytes não faz de você um guardador de memórias. Memória não é acúmulo de lixo, muito menos lixo virtual. Na última década, cremos piamente que tudo vai se guardar, que fazer backup é suficiente, que a era da informação… Até acontecer um colapso global (que pode ou não ser provocado pelo coitado do Sol), uma atualização de Termos e Condições do Google, Apple etc. Como o mundo viveria sem energia elétrica, sem internet? Como seriam os hospitais e presídios nesse Silêncio? Existem planos B, C, D? Se os arquivos históricos fossem extintos e seus conteúdos descartados: papiros, pergaminhos, papéis, manuscritos, para dar lugar à estafante modernidade — o que seria de nós? Bela era da informação.
Bom, primeiro que: informação não é conhecimento, muito menos sabedoria. Informação é um conjunto de dados, e somente isso. A significação, a comparação, tese, antítese, síntese, a digestão da informação é que pode (ou não) se tornar conhecimento. Lembra? Em algum momento falei que me parece que entender não é compreender. Entender, você entende, joia, tchau. Compreender (praehendere), você abraça, limita a um campo, sustenta em si.
E tudo hoje é insustentável, indigesto. Vemos, sem querer, crianças aos pedaços numa guerra televisionada, depois 5 segundos de um gatinho beijando um pato, depois o discurso do recém eleito presidente da Argentina, depois uma atuação esdrúxula de qualquer influencer que plagiou outro e mais outro e mais outro… Tudo isso em menos de quinze segundos, com a possibilidade ainda de adiantar o áudio para 1.5, 2.0. Nossa, como eu odeio voz de áudio acelerado. Assim como odeio receber mensagem picada, as pessoas não conseguem formular um parágrafo para só depois enviar. Tem que escrever assim:
oi
tudo bem
me liga
me passa
o contato
de
fulana
de
tal
?
[Qualquer “artista” das adjacências da Avenida Paulista publicaria este exemplo com o seguinte título: “veracidade” achando o máximo da arte pós-moderna. Cafonas.].
Mesmo com as notificações desligadas (desativo de absolutamente todos os aplicativos), se estou mexendo no celular, assistindo algo concentrada, ou sei lá, a quantidade de balõezinhos aparecendo já são suficientes para eu querer comprar um rifle e dar um tiro no meu celular. E geralmente são mensagens absolutamente desnecessárias, alguém pedindo ajuda em algo que poderia buscar só, etc.
Motor Mania (Pateta no Trânsito). Walt Disney, 1950.
Bom, devaneei. É comum para nós, viventes de 2023, a falta de atenção. Afinal, como eu dizia, tudo acontece em quinze segundos, e nos quinze segundos seguintes alguma outra coisa está acontecendo. Mas precisamos também que nada aconteça. O Universo — que é a nossa origem e, portanto, deve ser o sistema mais natural que deva guiar a humanidade num pensar a organização —, por exemplo, vive de vazios. São enormes espaços do mais negro nada entre um planeta e outro, e uma estrela, e um meteoro. Quando tudo é massivo e complicado, temos acontecimentos bombásticos, como o incrível Buraco Negro e as Supernovas. Mas o perigo que eles são!
Dear Prudence, open up your eyes
Dear Prudence, see the sunny skies
The wind is low, the birds will sing
That you are part of everything
Dear Prudence won't you open up your eyes?
Look around round (round, round, round)
— Dear Prudence. The Beatles
Falei em gatinhos, né. Ontem vi um lindo vídeo de dois gatinhos pretos numa canoa, observando o lago e as árvores. No fundo, apenas o som de um passarinho distante. Da perspectiva do som, imagine se o mundo fosse somente natureza, como no passado. O tempo que um pinheiro demora a crescer. O vento que está ali sempre existente, mas se não faz balançar as folhas, faz com que o Tempo pareça parado. Um pássaro canta ali. Um arbusto se revira aqui. O Sol passa um bom tempo a pino. A Lua só vai mudar de fase daqui uma semana. E assim vai a vida. Você come, descansa um pouco, caminha uns quilômetros (o homem pode caminhar cerca de 40km entre o nascer e o pôr do Sol, sabia? Os feudos ou abadias medievais tinham essa distância entre si. Não lembro pormenores, vá checar com a professora Sandra Regina Colucci na PUC de Perdizes).
Alone in the clouds all blue
Lying on an eiderdown
Yippee, you can't see me
But I can you
— Flaming, Pink Floyd
Mas o que temos agora? Duas guerras televisionadas e mais outras tantas que não são do interesse dos Estados Unidos acontecendo sem serem noticiadas. Muitos influencers se plagiando e se plastificando (a cara, mesmo), muitos coletivos individualistas (muitos “uns” juntos não configuram comunidade, me desculpe), micropartidos políticos sem um vereador eleito que seja fazendo atos de panfletagem numa avenida ou outra. As opiniões políticas — também acumuladas feito lixo — mais rasas que um pedaço de vidro estendido no chão. E esse vidro sendo um espelho para os Narcisos militantes lerem seus discursos para si próprios. As contas para pagar, os abusos policiais, os crimes do Estado contra o povo, as promoções da black friday, os engradados de cerveja, os bares e os happy hours. Happy, happy… happy?
Bob Geldof. Pink Floyd The Wall, 1983.
Enquanto fui vendo mês a mês do que fiz numa nuvem bagunçada, cheia de screenshots de coisas que não lembro, fotos pessoais e bobagens recebidas no whatsapp, fui apagando os excessos. É como separar o joio do trigo, e buscar ouro num monte de pirita.
E quanto ouro. Depois volto às reclamações do lixo virtual que estamos produzindo.
Não vou dizer os pormenores das minhas atividades felizes, porque foram tantas quanto as infelizes. Como Bella adoeceu em maio e ficou meses para resolver um problema que deveria durar quinze dias, e depois desencadeou numa doença crônica, eu simplesmente me esqueci que as coisas boas acontecem no meio das coisas ruins. Sempre fui tão fatalista dos sins e nãos, que o Destino me fez o favor de mostrar que nem tudo está perdido. Pode ver que falo muito de esperança e de mistério nos últimos boletins. Tem a ver com essa jornada de compreender (não apenas entender) a vida. Porque são coisas tão banais, que pensamos não merecer a nossa “perda de Tempo” — essa ideia de “perder” Tempo eu acho a maior furada, se você quer saber —, e acabamos automatizando coisas que poderiam se tornar reflexões para o próprio amadurecimento (ou eu que sou a tal da overthinker).
A primeira prova de que as coisas podem não ser fatais, é que Bella está bem! Está doente? Sim! Mas bem! Ela come, corre, brinca, faz yoga comigo, me acorda de manhã derrubando a garrafa d’água, entra nas cobertas, dorme no meu colo, bate no gato do vizinho e deixa o outro gato maior roubar sua comida. Está vivendo, plena, sua velhice. Se Deus quiser, no próximo boletim vou narrar a comemoração de seus 15 anos. Nunca fiz mêsversário de gato, mas depois que a gente perde três pets com mais de quinze anos (quatro com meu sobrinho-bisneto, o Nêgo, que tinha uns treze), cada semana que se passa é uma vitória (a small victory).
Dois sonhos de menina em sete dias
Bella estando bem, e eu tendo a ajuda de queridos amigos e clientes que colaboraram com o alívio das minhas dívidas veterinárias, eu pude viver. E só me dei conta de que me coloco em último lugar na lista dos problemas essa semana, que saí de casa super triste e ansiosa, mas pensei para me acalmar “está tudo bem, Bella está bem, papai está bem, mamãe está bem… opa! Eu estou bem!”.
Novembro foi intenso. Evitei pensar em novembro desde março. Em março comprei meu primeiro ingresso para um show em estádio, da minha banda favorita da adolescência. Num outro estado, que nunca tinha visitado. Depois, em maio, fui convencida de também comprar ingresso para ver a última turnê do grande amor da minha vida, uma semana depois do show anterior. Fiquei o ano inteiro fugindo da possibilidade de pensar novembro, porque eu quero mesmo aprender a viver cada dia, um de cada vez. Tenho essa mania saturnina de querer comer até pedra, sabe? De tanto que quero engolir a vida.
Para quem quiser saber como foi Red Hot Chili Peppers no Rio de Janeiro e Roger Waters em São Paulo, por favor, veja meu instagram e meu blog.
Believers, keep on believin’ — sobre a viagem à cidade que é mesmo maravilhosa;
Meu deus do céu, eu pude postar a minha foto de biquíni! — lembrando o engraçado desabafo — em partes, correto, porque dá muito trabalho mesmo ser cidadã no Brasil — de Luana Piovani;
Um texto breve sobre a experiência abissal que foi Roger Waters, o maior ser humano do planeta;
E mais um, com minha camiseta-souvenir-lembrete (ars memoriae), com medo genuíno de esquecer essa experiência arrebatadora (motivo desse texto, talvez).
Escrevi mesmo esses quatro textos com genuíno medo de esquecer. Foi tão intenso nos dias, e registrei tão pouco (ou simplesmente não abri os vídeos e fotos para vê-los), que senti que tudo sumiria de mim para todo o sempre. Mas como pode isso, se os antepassados, sem celulares e filmadoras, apreciavam um concerto, uma roda de samba, uma música ao vivo (lembrem-se que antes dos gramofones não havia isso de ter música em casa, para além de instrumentos musicais caros ou bricabraques como caixinhas de música e afins), e possuíam memória límpida?
Tanto idoso, já falecido, que se lembrava não somente do evento, como de cheiro, de tecido, de textura, do sorriso e do olhar daquela pessoa amada em sua frente. E eu, hoje, não consigo me lembrar de lábios, cor de olho, cheiro ou estatura… Prestemos atenção nos livros. Um Keats, tão amado e estudado pela
, a profundidade de um desejo, de um sonho, de um sentimento. Ai, ai, ai. Para não me chamarem de “elitista da literatura clássica”, vou citar o Rei:Essa loucura do amor me faz dizer
Que eu não vivo sem você
Que só você me satisfaz
Que eu morreria nos teus braços
Feliz ouvindo esses teus 'ais'!
(Ai amor)
— Ai, amor. Reginaldo Rossi
Memória fugaz, experiência voraz
Bom, o que eu gosto mesmo é dos clássicos. Desde pequena o passado é para mim uma referência, seja no que leio, ouço ou como me visto. Como sou romântica, tenho muita dificuldade em aceitar a contemporaneidade, e o futuro para mim é uma distopia. Claudinei, meu ex-professor, disse que nem todo ansioso é romântico, mas todo romântico é ansioso: idealiza um passado tal qual ele não foi, e não aceita os outros tempos. O Tempo para mim é sagrado e é Deus, mas eu vivo comendo bola (ou deuses e pedras). Que Saturno me perdoe e me ensine, pois preciso.
E como eu gosto dos clássicos, penso muito em Erisictão quando observo o mundo hoje. Rei da Tessália, ele ofendeu Deméter ao desmatar seu bosque sagrado. Ela o amaldiçoou, fazendo com que sentisse fome eterna. Quanto mais ele comia, mais ele sentia fome. Quanto mais sentia fome, mais comia. E mais emagrecia, definhava. No fim, não havia mais comida para ele. Só parou quando comeu a si mesmo.1
Uma história de milênios, e tão contemporânea, não é? Ainda mais agora que estamos sentindo na pele os efeitos do desmatamento. Mas acho importante mostrar que essa ganância não está apenas nas mãos dos poucos bilionários que tornam este mundo miserável. Está em coisas bestas também. Por uma promoção boba, aproveitei para conhecer o Kindle Unlimited2, pensando que encontraria títulos importantes para minhas pesquisas. E fiz mais uma vez o que faço desde os 16 anos: estoquei arquivos. Como um castor com o dente sempre crescente que precisa roer árvores e montar represas. Daí eu vi o tanto de inutilidades oferecidas pela biblioteca paga, mas também como eu mesma matutava em pesquisar coisas que eu nem lembrava, portanto não era prioridade. Mesmo que eu concorde com Umberto Eco sobre as bibliotecas (mas isso será outro texto), não há necessidade de eu me entupir de arquivos digitais que nunca vou ler, me deixando ansiosa e infeliz.
Outro eresictanismo seria o ato de fotografar tudo, que tem sido muito comum em museus e exposições, e que criou o fenômeno (anômalo) das exposições imersivas de power point. A pessoa não está presente no evento, ela está apertando botões e caminhando — uma derivação pseudocult de “ligar o foda-se”. O mesmo se dá em fotografar slides da aula. Sim, pode ser que você utilize para revisar, se for bom aluno. Tome aqui sua estrelinha de bom menino: ⭐. Mas, se você não revisa, você acaba não se aprofundando depois naquilo que não se dedicou na aula. Porque escrever é se dedicar. Não é um mero copiar da lousa: o seu braço se movimenta e emprega uma força que causa o que chamamos de memória muscular. Memória muscular, memória visual, memória olfativa: por isso pessoas se lembram de um tema ou frase, porque vem em mente o momento em que ela escreveu no canto superior direito daquela página par e a caneta estourou bem na hora, ou o alarme soou, ou ela riu de alguma piada do professor. Há toda uma ritualística no processo da escrita que envolve o meu CNPJ e que provavelmente vou falar em conta-gotas enquanto eu viver.
Hoje pedi para Maria um tema de uma conversa nossa para estudar, e ela me lembrou: ars memoriae, a arte da memória, mnemotécnica — que curiosamente Giambattista Vico estudava, e eu o estou estudando porque nos encontramos no Sebo! Ah, a sincronicidade.
Sobre Maria, estudamos muito as virtudes e os emblemas, até porque estudo cartomancia: como oráculo, como arte, como indício histórico, etc. A virtude-emblema que cabe nesse texto é ele, o famigerado e glorioso velho que segura um cajado e uma lanterna. Símbolo do Led Zeppelin IV, pode ser confundido com Merlin ou Gandalf, em dados momentos. É Cronos no tarot mitológico, com seu corvinho no ombro, a lanterna e a foice na mão, porque pode ser a própria representação do Tempo.
O Eremita ou A Prudência
Antes de chegar nos finalmentes, vou contar algo que minha amiga Bia disse certa vez e que nunca me esqueci: ela prefere sentar de costas no metrô, porque a paisagem se distanciando retrovisora parece maior e mais lenta de se apreciar, do que quando sentamos de frente. E é verdade: quando vemos o que está por vir, temos fome de descobrir; quando vemos o que ficou para trás, estamos nos despedindo e contemplando: o olhar se detém mais. A visão é mais ampla. Você vê, revê, desvê, contravê. Digere, rumina, feito um boi no pasto. E que exemplo melhor para o Tempo lento que o boi, o bisão, o búfalo? Tantos estômagos e nenhuma pressa, pesados, firmes, estruturados na terra. Por isto esse animal representa o signo fixo da alta primavera (hemisfério norte): o ápice, o centro, o que não é começo nem fim, da fartura que é essa estação. Muita gente acha horóscopo besteira, mas estudiosos dedicados e respeitosos dos saberes antigos sabem que isto era uma forma de ler as horas esticadas em estações do ano. Numa etimologia descuidada: hora = “momento, dia, hora”, + skopeo = “eu vejo” = horoskopos. Mas meu eu oráculo é Hel e está em
.Prudência, querida Prudência. Abra seus olhos! — diziam os Beatles. Porque Prudência é a virtude cardeal que aprende com a experiência. Do latim prudentia (que significa previsão, sagacidade). É a virtude de discernir, a partir do conhecimento, o verdadeiro bem, e agir com sabedoria e Justiça — outra virtude cardinal. Prudência é a mãe e a medida de todas as virtudes.
Ela é representada de pelo menos duas formas: uma bela moça que olha para o passado através de um espelho, ou uma bela moça que tem na nuca uma segunda cabeça, um homem velho, que está sempre mirando o passado.
Se temos Mnemosine, a Memória, temos suas filhas Clio, a História. Euterpe, a Música. Calíope, a poesia épica, e mais seis irmãs. Todas filhas da memória, essas artes e ciências estabelecem o ser humano em algum lugar, e esse lugar é o Tempo. Todas elas tratam, de alguma forma, da lembrança. Ora, a música, se pensarmos muito além da técnica — que para mim é completamente secundária —, não é ativada por lembranças? Puxa eu me lembro da primeira vez que ouvi um CD, em 1996. A primeira vez que ouvi Journey to the centre of the earth, do Rick Wakeman. A primeira vez que prestei atenção na beleza de Summer ‘68. Todas as lágrimas que tremi para expulsar dos olhos no Allianz Parque dia 11/11/23…
O Tempo não se perde, nem se acumula. Nós não temos Tempo: o Tempo é quem nos tem. Nascer é cair no Tempo, viver é compreender e dançar sob seu ritmo e regula. A Memória nos direciona no Tempo, nos conduz e nos aconselha. É bem verdade que ela pode falhar e se confundir com fantasia, mas a fantasia também é caminho de interpretação e experiência da realidade, então tudo bem. Fato é que temos que agir com cautela e com prudência, passo a passo, pé ante pé. A lanterna do eremita não ilumina o horizonte, pelo contrário. É só o espaço que será preenchido pela próxima e imediata pegada. O mundo precisa disso. Eu, por Deus, que sou humana!
Afinal, quem venceu a corrida: a Lebre ou a Tartaruga?
Mas tenho esperança. A única coisa que me resta é esperar. Esperar o quê? Sei lá...um novo milagre.
— Kris Kelvin. Solaris. Andrei Tarkovsky, 1972
No Estúdio
As coisas estão caminhando meio que nos bastidores. Fiz um curso muito bacana de programação e encadernação de calendário com o Roberto Araki. Tudo que eu gosto misturado: Tempo, planejamento, programação (que é filha da Biblioteconomia), costura, Destino. Nunca um breve curso resumiu tanto minhas habilidades todas!
Siga o Estúdio no Instagram para saber os preços dos calendários, e para encomendar um caderno-planner. Agenda cheia de detalhes ainda não sei fazer, então não prometo. Mas a necessidade é mãe da criação!
Minha xilogravura Corpus edimus está exposta e à venda no Sebo Pura Poesia. Também à venda, minha gravura em metal Pensamento e Memória. Você terá a chance de visitar a exposição de quarta a domingo, das 11h às 19h, até dia 17 de dezembro. Não perca essa chance, pois o lugar parece um sonho saído de A História Sem Fim.
Rua Costa Aguiar, 1112. Ipiranga, São Paulo.
No
eu leio tarot, runas, um pouco de Lenormand e cartas xamânicas. Se você quiser uma consulta, me siga lá também. Esse mês escrevi um breve conto a partir da leitura de cartas sobre acúmulo e defesas, e creio que é um ótimo complemento para esse boletim.Bom, é isso. Se você gosta do meu conteúdo e acha que vale me pagar um café, considere assinar esse boletim, assim você colabora com o Tempo para produção de outros textos, que são baseados em horas de pesquisa.
Caso não possa, já me ajuda demais o compartilhamento dessa página com alguém que você pense que possa se interessar :-)
Metamorfoses de Ovídio.
Sim, estou criticando a plataforma. Mas caso vá comprar dela, use meus links, assim tenho uma graninha para criar conteúdo de qualidade.
Gostei muito, Helen. As imagens da Prudência são lindas.
Amiga, minha última sessão de terapia foi falando sobre o tempo haha Me sinto sufocada, sabe? Queria viver num mundo mais analógico. Engraçado que agora estou lendo o Morro dos Ventos Uivantes e O Vampiro Lestat e aquelas narrativas enormes que demorando 50 páginas para contar que a personagem levantou de manhã e escovou os dentes estão sendo deliciosas, justamente porque é uma noção de tempo que a gente não tem mais. Interessante, né?
Sobre o show do Roooooger! Eu queria demais ter ido em SP, mas dessa vez não deu :( meu primeiro grande show de estágio foi do Waters, mas em 2018 em Curitiba. Foi uma experiência inesquecível, o cara é demais! Se quiser me contar como foi, quero saber, inclusive pelo Whats. Beijoos