Olá, tudo bem?
Hoje acordei tão estranha que simplesmente me esqueci que tinha que ter feito um texto. As empolgações da vida às vezes nos tiram do eixo e esquecemos das promessas mais básicas que fazemos a nós mesmos. Mas não é de todo ruim: c’est la vie, é a vida. Não podemos escrever nossas histórias em pedra. Mas podemos reescrevê-las sempre.
Hoje comemoramos 12 boletins. Nunca pensei que a newsletter seria como é, sempre quis algo mais mercadológico, do tipo “cadernos à venda, conheça nossa loja!”. O “problema” é que eu não sei ser assim! Tudo para mim tem sentido, significado, símbolo, referências. Por isso mesmo tudo o que faço tem e merece uma história. Talvez seja bom até comemorar falando sobre isso!
Quando decidi fazer cadernos, era para representar neles tudo aquilo que gosto. Que tivessem minha cara, que estampassem meus artistas favoritos e que, dentro, se ocupassem de minhas palavras. Por isso eles são artesanais e não encomendados em gráficas. Assim também são meus textos. Já tive um sonho muito antigo e pobre de ser uma “Grande Historiadora Publicadora de Artigos em Revistas Acadêmicas”. Não que eu veja problema nisso, exceto pelo fato que geralmente a regra é você ter no mínimo mestrado para participar, senão deve “emprestar” sua obra a um “superior” e ser coautora do próprio texto. Deus me livre e guarde. Minhas palavras são minhas: saem de meus dedos com muita dor no coração. Cada letra é agônica, cada acento, ponto e vírgula são lágrimas que não caíram (ou às vezes caíram) do meu rosto. O que crio é meu, e absolutamente meu. Então tem que ser do meu jeito, e oxalá esse Estúdio São Jerônimo vai mesmo se tornar uma editora independente, artesanal, focada em magia e arte e não em número de tiragens.
Bom, eu queria ser uma Grande Historiadora et cetera porque tive sempre muito interesse por música e política, especialmente rock progressivo cantando livros. É a paixão da minha vida, e estou ainda saboreando um texto que estou escrevendo com Rick Wakeman e Jules Verne, gestando um Led Zeppelin com Senhor dos Anéis e comendo com todos os meus dentes o Dark Side of The Moon Redux com Fausto em Money.
Só que, como bem sabemos, eu detesto instituições. Vou ser Mestre (Mestra? Maestra?) e Doutora um dia? Pode-se dizer que sem dúvida. Mas não tenho a menor pressa, a vontade é pouca e o tema ainda está se fazendo em minha mente (espero que não seja necessário dizer que não sou anti a ideia de universidade para todos e bla bla bla. Sou anti-qualquer-instituição no modo como se estabelecem, que é algo muito mais complexo que essas interpretações de R$1,99 que os cibernéticos possuem).
Então ter meu espaço próprio para escrever sempre foi a minha própria guerra — e um dos grandes adversários se chama Helen Cristina, porque nem sempre consigo sentir coragem de escrever. Só que escrever é a razão de eu existir. Não deve ser coincidência que minhas primeiras lembranças sejam dos 3 anos de idade, e minha primeira palavra lida (“uva”) também. Lembro que, depois de aprender a ler, e por não ter livros em casa, eu lia tudo, em todo lugar, repetidamente, do mesmo modo chato que talvez toda criança tenha se aborrecido em contar os degraus da escada já sabendo o resultado final. Eu lia cartazes de postos de saúde, placas de rua, propagandas em muros. Cem, duzentas, trezentas vezes, até enlouquecer e brigar comigo mesma. Papai, que me fez uma caneta Bic personalizada (serrou o tubo pela metade e a fez pequenininha para mim), de vez em quando se irritava: “para, só sabe escrever”. Eu ficava triste mas desobedecia.
Sou desobediente: desobedeço as militâncias, mesmo sendo extremamente política; desobedeço as religiões, mesmo tendo a mais profunda fé em deuses extintos pelo mimado e apressado iluminismo; desobedeço o mercado de trabalho, porque eu deveria estar contente em ser uma dita cidadã respeitável ganhando 4 contos por mês, mas estou aqui, acreditando que a arte vai me salvar. Bom, se a arte não me salvar, ela vai me afundar, e com ela eu pretendo ir até o centro da terra.
Tudo isso que estou dizendo não é em vão, nem apenas um desabafo. Faz parte da origem de tudo o que faço, e gostaria que vocês começassem a perceber a importância da escrita, da expressão, da criação, nesse mundo tão inominável de esquisito. Os cadernos deste estúdio, por mais que bonitos e não tão acessíveis (porque não são da Spiral ou Tilibra, é tudo absolutamente manual), devem ser usados. Não tenham medo de comprar um caderno bonito meu e usarem. Uma das coisas mais bestas, mas mais libertadoras que aprendi, foi não temer fazer garranchos e rascunhos. Eles têm sua beleza. Hoje em dia eu tenho umas 4+ caligrafias diferentes, e escrever tem sido a salvação da minha alma. Frases soltas que vem na cabeça enquanto tomo café, lista de mercado, coisas para fazer amanhã, poemas que não sei se vou publicar, contos que com certeza vou. Um caderno é a mais preciosa das ferramentas do Homem, e eu falo sério. Não à toa tem milênios de existência. A costura copta que eu faço por exemplo, tem dois mil anos. Mesmo com kindles, tablets (que imitam a escrita cuneiforme), computadores, celulares. O papel, a caneta, o traço da tinta manchando a folha… É o paraíso.
E eu tenho usado como oração. Sinto que escrever é pedir aos deuses com maior formalidade. Que eles me ouçam, mas, se não ouvirem… Ainda assim escrevi. Ainda assim criei. Porque, se o caminho se faz caminhando, a promessa se faz prometendo. O cumprir-se é apenas resultado de nossas ações. Se quero ser uma boa escritora, preciso escrever. Se quero amor, preciso viver amando: os urubus no céu, as pitangas que caem do pé, a Bella gata siamesa que cochila no meu colo. Escrever é sem dúvida nenhuma um ato de fé: fé na humanidade. É buscar comunicar-se, mesmo quando mortos. Já parou pra pensar que livros são máquinas do tempo, mas também cemitérios? São memórias guardadas e costuradas por alguéns que já se foram há muito tempo (quando falamos de clássicos). O passado na verdade nunca fica para trás. O passado é presente, assim como o futuro. Porque o que estou criando é o que criei, é o que criarei.
Eu passei muito tempo
Aprendendo a beijar outros homens
Como beijo o meu paiEu passei muito tempo
Pra saber que a mulher que eu amei
Que amo, que amarei
Será sempre a mulher
Como é minha mãe— Pai e Mãe, Gilberto Gil
Estou muito satisfeita de, nesse mês, ter me soltado mais na escrita.
me mandou um podcast onde disseram que disse Graciliano Ramos para seu filho algo assim numa conversa:— Boa noite, pai, como foi o dia?
— Foi muito bom. Escrevi um parágrafo.
Se o maior escritor de minha vida ficava feliz com um parágrafo, e se eu o amo, eu devo amar também cada letra que faço nascer nesse mundo.
Outro dia me veio na cabeça assim: “quem te amar, vai te amar pelas tuas palavras”. Pois deixe eu escrever, espero que Eros tropece e se encante pelas minhas letras, minhas caligrafias, minhas alfinetadas gostosas (não sei vocês, mas é minha parte favorita).
La morte è la prima notte di quiete, perchè si dorme senza sogni.
A morte é a primeira noite de tranquilidade, porque se dorme sem sonhos.
Daniele Dominici e Vanina Abati (Alain Delon e Sonia Petrovna). La prima notte di quiete (Indian Summer), 1972.
Assisti esse filme há seis anos, e não me lembro como o encontrei. Esse mês tive a rara oportunidade de vê-lo no Cine-teatro Denoy de Oliveira. Amo como os cineastas italianos representam o vazio, a melancolia e a arte. Não acompanho muito a carreira de Alain Delon, mas acredito que nunca esteve mais bonito e mais triste. Se a primeira noite de tranquilidade é a morte, porque não se sonha… Penso que seja tempo de vivermos intranquilos.
I love you the best
Better than all the restThat I meet in the summer
Indian summerIndian Summer, The Doors
Aprendi a gostar de Johnny Cash porque ele é uma paixão de papai. Lembro que esse filme passava o tempo todo no Supercine, mas nunca tive a oportunidade de assisti-lo. Esses tempos fez aniversário de morte dessa voz perfeita que tinha o Cash e pensei “por que não?”; Kennedy disse que eu não posso temer aquilo que eu sinto que vou amar profundamente (tenho uma lista de filmes que sei que vou amar e fico com medo de ver). Pois bem: o filme não tinha nem 12 minutos e eu já tinha chorado pelo ano inteiro. Tem: corvos, At Folson Prison (um dos meus discos favoritos, só deus sabe minha conexão emocional com os dramas presidiários), morte, música e amor. E esse Ghost Rider in the Sky que era Johnny fazia como eu: se cobria de preto para ter altivez de espírito e agir. Nós dois, de Saturno em Aquário de casa 12 e todo tipo de prisões, mas um Ascendente em Peixes com esse oceano abissal de vontade de criar, amar e viver. ♥
Claro que é indiscutível a venda norte-americana da meritocracia. Mas eu que não quero ser uma oprimida que fica lustrando a opressão em vez de matá-la: se o Johnny Cash levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima, ah, meu bem… Bora arrepiar, como diz mamãe, e viver! Se o coração não bate forte quando a gente faz algo, falta buscar o que faz o coração bater. Política é para isso: conseguir chegar onde se quer, e ajudar a comunidade da mesma forma. Não ficar numa lamúria que lambe e relambe as feridas, como tenho visto nos últimos anos. Já diz Alejandro Jodorowsky: hay que vivir. Vive! Vive! Vive!
Esse mês dancei com uma intensidade tal, que acho que foi inédita. Isso varreu para o quinto dos infernos boa parte de minha timidez, e de repente me levou a muita gente e caminhos diferentes. Foi Deep Purple, Led Zeppelin, Janis Joplin, Jimi Hendrix, RHCP, Guns… nos pubs, porque em casa foi muito mais. Tinha me esquecido de como dançar é altamente curativo. Parece mesmo que o veneno da ansiedade sai pelo suor, e junto à minha amada Yoga é simplesmente levar vida para cada célula do corpo. Se parece conversa de good vibes, foda-se. É verdade: vida é Ar. Ansiedade é falta de ar. Respirar decentemente é um grande remédio. E um dom, e uma prática diária e consciente, se pensarmos nos músicos, atletas, etc. Então, dançar e fazer yoga me salvam da loucura, e a arte traz sentido para continuar vivendo, assim como a música me faz querer viver.
Tenho ouvido uns sussurros de todos os cantos, em música, cartazes que leio, pássaros que vejo passando… enfim, sincronicidade. E a mensagem é: esperança. Por isso, decidi fazer uma pastinha no instagram com coisas que me remetem a isso, e acabei criando uma playlist também, caso queiram:
Obviamente essa playlist vai crescer, e não vai ter um estilo musical único. A capa é deste trecho de entrevista com o Tarkovsky, e acredito que ele esteja certo em dizer que saber demais atrapalha a arte. Porque arte é, antes de tudo, sentir, ser.
Tem novidades variadas no Estúdio!
Uma caderneta linda e psicodélica com preço acessível, mas muito bem acabada:
Tem esse caderno luxuoso que eu fiz para um amigo e simplesmente preciso de mais um para mim (você pode encomendar, já tenho 2 clientes na fila):
Eu fiz esse luxo de reel para esse luxo de caderno. Por causa do trabalho estou lendo O Senhor dos Anéis pela primeira vez — e amando:
Promoção com minha amiga Débora para este Halloween (melhor época do ano!):
Eu faço crochet, e criei essas bolachas porta-copos que vou chamar de memento mori, para você beber e, quando pousar a caneca, se deparar com a lembrança e resolver dar um rumo pra sua vida (desculpe se pareceu sermão de mãe brava, era essa a intenção). Quem não for de São Paulo, não se preocupe: vou finalmente preencher minha lojinha da shopee com esses trabalhos todos!
Acho que é isso, meus amigos. Meu melhor presente é ser lida, então resolvi escrever bastante sobre o amor que ando sentindo pela vida. A Morte, ela ainda é minha Senhora e vou sempre conversar sobre ela. Mas para haver Morte é preciso haver Vida, e hay que vivir, com intensidade porque a vida é uma, e é agora.
Se você gostou desse texto, ou pensou em alguém que possa gostar, por favor, compartilhe!
Amo como compartilhamos o amor pela escrita, arte e Graciliano Ramos.
[escrevo esse comentário enquanto a playlist ‘acreditar no amor’ toca] helen, lembra que uma vez te contei que um rascunho meu fala de você? tua escrita desde sempre me impactou de um jeito muito doido! só que ler teu texto sobre o aqualung foi diferente (pra sempre a fã #1 hahah). quando entro em contato com o que você diz, muitas vezes tenho a sensação de euforia, porque penso do mesmo jeito ou, caramba!, que maravilha conseguir dizer assim! e aí lembro desse rascunho, que fala de como, por tua causa, eu passei a encarar de um jeito diferente a minha relação com o que me move. música e literatura, principalmente. entendi que perdia muita coisa por desorganização. “pq você coloca tudo num enquadramento organizado e complexo ao mesmo tempo”, eu te disse. expandir as possibilidades como você faz potencializa tudo!!! quando você fala de pink floyd, por exemplo. a minha perspectiva sempre foi criada pela descoberta espontânea (muito mais frequente que a pesquisa ativa). e como muda as coisas ir mesmo atrás. você compartilhou uma vez alguma coisa em que alguém falava sobre colocar alma em tudo o que fazia. é muito difícil, mas espero que nunca passe pela tua cabeça fazer de outro jeito <3