Olá, tudo bem?
O último mês foi tão caótico - para o bem e para o mal - que já me perdi um pouco no que pretendia para este boletim. Eu tinha em mente um dossier inteiro quando publiquei da última vez, mas tudo isso foi antes das eleições e do crime que os fascistas cometeram em Brasília. A vida foi acontecendo, muita informação se misturou na cabeça. Mas coisas boas têm lugar, e só eu sei como picotei esse texto para não ficar amargo demais. Nunca tinha me censurado dessa forma, mas dizem que a melhor escrita é a reescrita - o que considero uma vitória, pois sou impulsiva com palavras e opiniões.
Lembrando a vocês que os links que se redirecionam para a Amazon são meus links de associada. Caso queiram comprar, utilizem-nos. Não há gasto a mais para o comprador, e me ajuda com as finanças.
Vamos lá? Se tiver um gole de bebida eu aconselho (pode ser um café gostoso), pois infelizmente desaprendi a escrever somente amenidades (mas devo lembrar a você e a mim que sou um corvo e não a pomba do Picasso).
LENDO, VENDO & OUVINDO
LENDO 📚
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Sem palavras para isso aqui. Há uns bons anos esse título me ronda, e finalmente estou conseguindo ler. Faz parte do meu desenvolvimento do plano de negócio do Estúdio, dos limites que estou estabelecendo, dos projetos que pretendo criar. É uma profunda estruturação. Fora que é uma obra básica para meus argumentos contra certas exposições horrorosas - e caras - que são moda nas grandes cidades. O que eu chamo de “projeção de powerpoint”, a querida Pietra do
chama de “alegoria da caverna”, e guardo essas palavras maravilhosas. E não me venha com “acessibilidade da arte” porque, enquanto se paga R$32 a R$300 para ver uma projeção de um pdf de um Picasso num shopping, havia Picasso histórico, original e grátis no Instituto Tomie Ohtake, e sempre tem obra no MASP, CCBB e centenas de outras instituições.BITTENCOURT, Mariany Alves. Reflorescer: histórias de mulheres negras que passaram pela transição capilar. Mariany, mais conhecida como manie do meuscafés! Finalmente conheci essa amiga blogueira de tantos anos (nem sei quantos), pois fiz questão de ir ao lançamento na Livraria Simples, em São Paulo. É um livro importante para qualquer pessoa, e gosto que, por ser jornalístico e responsável, traz várias nuances do racismo e de como se lida com a opressão aos cabelos. Como é no cotidiano, como as famílias agem. Manie é muito sensível e séria em seu trabalho. E algo importante que amei: como saber de tudo isso não nos impede de alisar, se assim quisermos.
HAN, Byung-Chul. Hiperculturalidade: Cultura e globalização. A despeito das regras que os tweeteiros nos colocam na leitura, eu gosto de ler pessoas mortas e desconfio das vivas. Mas esse autor foi citado pela Vanessa do
e pela Juupiter, e, em alguma noite no meio do banho eu pensei “será que tem problema esse tanto de interação on-line, onde as pessoas vivem recortes fora de contexto de tradições alheias, enquanto pulverizam a tradição da sua própria comunidade, nessa tal ‘globalização’?”. Daí busquei o nome do autor e tinha esse título, que talvez responda alguma coisa. Mas mal comecei a leitura.SMITH, Patti. Devotion. Fiquei sabendo pela minha amiga Maria Catharina que a maravilhosa Patti cita um filósofo que amo absurdamente. E não é pouca gente que me recomenda a leitura dessa magnífica senhora.
A humanidade que, outrora, com Homero, era um objeto de contemplação para os deuses no Olimpo, é agora objeto de autocontemplação. A sua autoalienação atingiu um grau tal que lhe permite assistir à sua própria destruição, como a um prazer estético de primeiro plano. É isto o que se passa com a estética da política, praticada pelo fascismo.
— Walter Benjamin
VENDO 📺
Acontece é um curta que participei com os amigos de infância no último ano do ensino médio (2010) para o Festival Cine Socioambiental da Diretoria de Ensino Leste 3, sobre aquecimento global. Infelizmente fomos desclassificados e nunca entendi o motivo. Mas estávamos juntos, doze anos depois, numa noite de domingo no Si Señor, rindo de nostalgia de como esse trabalho ficou bom. Teve making of e tudo, e acho incrível como esse trabalho previu muito bem nossas profissões futuras - e como sempre fui dramática rindo das piores tragédias 😂 Dei até spoiler dessa que considero a melhor coisa da news de hoje lá no twitter.
Infância - de Graciliano Ramos é uma peça de Ney Piacentini e Alexandre Rosa que vi na Biblioteca Mário de Andrade com o Kennedy. Fui convidada para o evento porque ele é “o cara” pra gente, mas não sabia de absolutamente nada do roteiro. Bom, eu me senti a Helen de 1995/96 aprendendo a ler, eu vi ali meus pais, meus avós. Eu aceitei (porque vivo de precisar aceitar, já que sempre estou negando - e já já negarei de novo, para aceitar novamente) esse meu jeitinho carinhosamente “seco”, direto de escrever e desenhar. Tem um personagem com o nome da minha família e do meu estúdio (claro, somos vizinhos de terra), tem letras, livros, estrelas, contrabaixo, harmônio (meus instrumentos favoritos), terno e gravata, cabelos grisalhos, cabelos lindos grisalhos, tem tantas coisas que eu quero sair correndo com elas e não contar pra ninguém! Mas dizer pra todo mundo ao mesmo tempo. Que bom ser brasileira e conterrânea do melhor escritor que já existiu.
My Secret romance - não é segredo pra ninguém que amo os maiores dramas, dos clássicos aos mais bestas, das novelas mexicanas aos filmes mais condenáveis do Adam Sandler. Mas ando tão triste com a vida que mesmo as coisas bobas que eu tanto amava me causam desolação. Porém esse dorama é engraçado, besta, não agrega em nada na minha vida e sigo assistindo. Eu não resisto a um galã que usa terno com colete e faz maldades porque não sabe lidar com a vergonha que é amar. Eu mesma tenho esse problema. E uso colete.
Yoga & astros, da Nina Adams. Amo a Pri Leite e ela me ensinou 99% do que sei da prática, mas senti necessidade de explorar outros iogues. Pratico pensando no meu comportamento ou necessidades corporais naquele dia, por exemplo: se estou muito amuada, sem perspectiva, quase congelada, busco a prática ativa. Se estou muito ansiosa, pensando demais, faço algo que aterre ou exercícios de equilíbrio e centramento. É a mesma lógica dos 4 elementos que você verá abaixo. Daí queria fazer algo que celebrasse os sete astros tradicionais, que regem cada dia da semana. Como em português perdemos essa referência, vou misturar o espanhol com o inglês para ilustrar: Lunes, Martes, Miércoles, Jueves, Viernes, Saturday, Sunday — ou Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus, Saturno e Sol. Busquei no YouTube alguma playlist ou professor que praticasse isso, e encontrei a Nina, iogue e astróloga. Fiz a playlist para facilitar. O áudio é em espanhol e há posturas avançadas, mas eu substituo todas elas por uma Balasana, ou uma Kakasana para treinar a postura do corvo, que também só sei com um pé fora do chão.
Mais próximo, havia o tabelião Jerônimo Barreto. Diariamente, percorrendo a ladeira da Matriz, demorava-me em frente do cartório dele, enfiava os olhos famintos pela janela, via numa estante, em fileiras densas, bonitas encadernações de cores vivas.
OUVINDO 🎧
O Ateliê é um podcast que só fui assistir porque sabia quem era o artista em questão, e como gosto de odiar “a cena artística”, fiquei curiosa. Sabe aquela teoria dos seis graus de separação? Aqui se aplica. Sobre o crime - e é um puta de um crime -, a única pessoa decente, com os dois pés no chão e olhos abertos para a realidade que pode comentar é o marceneiro Edson, testemunha do caso: “E nunca entendeu por que os discípulos não se rebelavam, mas desconfiava que havia ali uma questão de classe. "Pra estar num lugar desse você tem que ter problema com a família, cara. Porque nenhum que está ali mora num barraco de favela. Não sabe nem o que é isso." Até que um dia, depois de afirmar ter visto Rubens chutando uma aluna no chão, ele teve o único confronto com o então patrão. "Eu cheguei pra ele e falei: ‘Cara, faz isso com parente meu, tu já estava na vala fazia tempo. Só tinha dois caminhos para tu. O buraco ou o saco de lixo’.".
Fluxo Criativo é um podcast infelizmente curto e bacana da Juupiter, artista que eu acompanhei muito quando comecei a estudar oráculos. Nós diferimos, porque eu estudo cartomancia e astrologia tradicional, em respeito ao meio milênio de história do tarot e aos mais de cinco mil anos da astrologia, e ela é da turma dos modernos. Mas é uma designer e colagista muito competente, e dá umas dicas criativas com algo que adoro: os quatro elementos (água, fogo, terra e ar), que estão presentes em tudo que fazemos, pisamos, somos.
Year of the Dark Horse é o mais novo álbum de estúdio do meu adorado Jake Smith, o barítono The White Buffalo. Amo um alternative country, um blues para faxinar a casa ou fazer qualquer coisa quando estou triste. Vozes graves são como trovões rasgando o céu na minha cabeça e uma tempestade sempre me deixa em paz, por isso as utilizo como mantra ou rito energizador, como haka.
Sem palavras para essa voz, esse terno, esses cabelos, essa barba, essa voz, esse olhar, essa voz…
INDO 🚶🏻♀️
A professora Maria Diel vai dar uma oficina de cartões postais com muita arte e Ítalo Calvino na Livraria Simples, dia 04/02/2023 às 11h. Vamos?
Uma mulher vestida de Sol, de Ariano Suassuna, no CCBB-SP. Até dia 12/02/23.
Tudo que é sólido desmancha no ar. Tudo que é sagrado, é profanado.
— Karl Marx & Friedrich Engels
Sobre Brasília estamos saturados. Mas há três links que quero compartilhar.
Acompanho Leonardo Rossatto, cientista social, há muitos anos. Acho suas análises sempre muito boas, mas essa aqui sobre o ataque fascista de 08 de janeiro foi a melhor (e maior) coisa que li sobre o atentado.
O próximo artigo me deixou pensativa, pela citação que vou deixar no ar. O texto é de Orlando Calheiros.
Terrorismo em Brasília é resultado de ação orquestrada há anos
Tem anos que grupos de extrema direita vêm disseminando livremente a ideia de que a democracia é, no fundo, um empecilho para a revolução conservadora que tanto almejam. Ora clamando por uma intervenção das Forças Armadas, ora afirmando que eles mesmos iriam “ucranizar o Brasil”, uma referência à onda de protestos violentos ocorridos no país europeu entre 2013 e 2014, que resultaram na ascensão de grupos neofascistas.
Sobre o assunto e o grifo meu não digo nada. E digo mais: só digo isso.
O texto abaixo causou comoção no twitter, e, de fato, é muito tocante. Mas gostaria de lembrá-los que todo genocida, fascista e nazista (neo ou não) neste mundo tem ou teve pais, filhos, netos, avós. Na História temos tratados e teses sobre a vida pública e a privada. Temos aqueles dilemas morais “sem resposta” famosos, como o do trem, onde você deve escolher se salva todos os passageiros atropelando uma pessoa, ou descarrilha o trem para não atropelar ninguém, possivelmente matando todos os passageiros. Ou, aquela famosa do chefe de estado, que deve escolher se pensa em sua família ou em seu povo. Eu sou da seguinte opinião: uma população vale mais que uma pessoa. Idosos cometem crimes. Os presídios estão repletos de pessoas invisíveis na sociedade que ninguém se importa se têm família ou não (tanto que não compreendem o auxílio dado a famílias dos presos que vem justamente da contribuição dos caras com o pagamento de impostos).
'Meus pais foram presos em Brasília. Fiz tudo o que podia para ajudá-los'
Se você conhece algum criminoso que participou do atentado, mande um e-mail para denuncia@mj.gov.br, busque apoio de psicólogos, psicanalistas ou psiquiatras (SUS!), amigos, outros familiares, leia livros, vá viver sua vida que o peso deve estar apenas na consciência desses criminosos. Não seja conivente, a gravidade do pensamento e atitude dessas pessoas impossibilitam o desenvolvimento saudável de qualquer sociedade.
O ESTÚDIO 🦅
Como disse ali em cima, estou estruturando o Estúdio, e em breve o site vai mudar. Estou estudando plano de negócio, revendo missão, visão, valores e essas coisas, pois com o tempo percebi que não se pode encadernar ao Deus dará. Preciso estabelecer limites, como boa saturnina que sou, e meu limite básico é: não virar algo industrial, ou, como diria Benjamin, não produzir sem aura. Posso até aceitar encomendas em atacado, mas dependerá muito de cada história, necessidade, tempo e habilidade de produção. Não à toa um eremita representa meu estabelecimento: não quero contratar mão-de-obra. Enfim, aguardem os próximos capítulos.
Tenho bordado toalhinhas, que entrarão no catálogo este ano. Pausei o curso de gravura para cuidar também da estrutura da minha casa, resolver infiltrações e outros problemas. Por isso encomendas estão também pausadas, mas talvez algo apareça no estoque nesse meio tempo. A escrita tem sido meu trabalho nº 1. Portanto, peço que apoie. Vendo cosméticos também.
Até fevereiro!
Helen
Quando eu li a A Obra de Arte na Era de Sua... na faculdade a primeira vez eu fui só aquele meme da cabeça explodindo kkkkk
lembro que foi um professor muito odiado que nos passou, mas ele tinha os melhores textos, triste haha
fiquei curiosa p ler esse artigo que você recomendou sobre o 8 de janeiro.
lerei em breve!
Adorei a lista e foi o impulso que eu estava precisando pra ler esse livro do Walter Benjamin. Concordo com você sobre essas exposições horrorosas de ppt. Sobre o Buyng-Chul Han eu indico bastante o seu best-seller “Sociedade do Cansaço”, fora o primeiro capítulo que é chatíssimo (mas um assombro quando pensamos na pandemia que veio depois do livro), o restante é pura identificação. Bjs