Tem dias, que só poesia…
Segunda-feira passada assisti no cinema dois filmes de Pier Paolo Pasolini, um poeta cineasta italiano que teve muito a dizer sobre sociedade e linguagem. Teorema já havia visto em casa há alguns anos, e trecho de La Ricotta com meu amado Orson Welles recitando o próprio Pasolini numa aula na USP.
Não preparei um texto para hoje, e por isso fico triste. Mas abri o livro de poemas de Pasolini e encontrei o que estou sentindo… É horrível lidar com a ansiedade, pior ainda com as crises. Estou em uma que já dura três dias. Mas sei que vou melhorar. E, como isso afetou minha escrita, inspiração e foco, o que posso fazer é deixar algumas palavras d’A Raiva, deste mesmo Pasolini, que sentia raiva como eu: dos fascistas, dos jovens “libertários”1 que diziam lutar por liberdade, mas mais pareciam lutar pelo consumo (e era isso mesmo, Paolo, você estava certo!), do sequestro da linguagem para o domínio da humanidade, e que foi sequestrado para morrer com tanta violência…
Por que não reajo, por que não tremo
de alegria ou gozo de pura angústia?
Por que não sei reconhecer
este antigo nó de minha existência?
Eu sei: porque em mim já se fechou o demônio
da raiva. Um surdo, fosco, minúsculo
sentimento que me envenena;
esgotamento, dizem, febril impaciência
dos nervos: mas já não se liberta a consciência.
A dor que pouco a pouco de mim me aliena,
se me abandono apenas,
desprende-se de mim, rodopia independente,
pulsa desgovernada em minhas têmporas,
me enche o coração de pus,
e já não sou mais dono de meu tempo…
Nada, antes, poderia me vencer.
Eu me encerrara em minha vida como no ventre
materno, neste ardente
cheiro de rosa humilde e molhada.
Mas lutava por sair, lá na província
campestre, poeta aos vinte, sempre,
sempre a sofrer desesperadamente,
desesperadamente a exultar… A luta acabou
em vitória. Minha existência privada
já não se encerra entre as pétalas duma rosa
– uma casa, uma mãe, uma paixão tormentosa.
É pública. E até o mundo que me era alheio
de mim se aproximou, familiar,
e se deu a conhecer, pouco a pouco,
a mim se impondo, necessário, brutal.
Não posso agora fingir que o desconheço:
ou não saber de que modo ele me quer.
Que espécie de amor
importa neste laço, que acordo infame.
Não queima uma chama neste inferno
de aridez, e este árido furor
que impede meu coração
de reagir a um perfume é um destroço
da paixão… Já beirando os quarenta anos
eu me vejo na raiva, como um jovem
que de si só conhece a novidade,
e se encarniça contra o velho mundo.
E assim, como um jovem, sem piedade
ou pudor, eu não escondo
meu estado: eu jamais vou ter paz.
— A Raiva. Pier Paolo Pasolini
(Mas continuo tentando alcançá-la.)
Sexta-feira descobri duas profissões que me deixaram horrorizada, e que muito contribuíram para a minha crise: psicopedagoga empresarial e psicodramatista. Me senti uma marionete, um verdadeiro Pinocchio dentro da caravana do circo de Udo Kier, que eu morria de medo na infância (esse ator só faz filmes que me perturbam, recentemente participou do mais-que-péssimo Bacurau).
What are we made of?
Can we know what we will be...
What are the chances
I can find a better path
The better life
The better me?
What are we made of
Is it written in the sand
Where are we sailing?
To a strange and pleasant land
Take my hand
Sail with me
What are we made of?
If you think you know the answer
Turn around
Think again
— Il Colosso. Brian May
Bom, a música do querido Brian May diz tudo. Tudo o que sinto neste exato momento está no poema de Paolo e tudo o que me pergunto, nos versos de Brian. Trouxe ambos aqui porque sinceramente, não sabia o que escrever (mas precisava), e não queria descumprir meu compromisso dos dias 28, já que esta newsletter é uma âncora e meu navio precisa parar, senão será destroçado pela minha própria tempestade.
Fico por aqui e indico a todos nós: está feliz? Escreva. Está triste? Escreva. Com ansiedade? Escreva. As respostas simplesmente aparecem.
Estúdio
Voltei a crochetar o descanso de copo Memento mori! Se você quiser um, é só me contatar e encomendar o seu, especificando cor e quantidade.
Em outubro decidi publicar o que fosse possível relacionado ao querido Halloween. Queria que fosse pelo menos uma publicação por semana, mas até que consegui um quase. Fiz duas publicações de uma forma que me agradou em estética e conteúdo, então convido você a ver e/ou rever:
The Omen, com Gregory Peck, e a versão de Ave Satani da banda de metal avant-garde Fantômas:
A versão de Jerry Goldsmith deixei especialmente para um reel:
Depois, o medo de perder um grande amor na voz de David Coverdale e nos corpos de Vlad e Mina:
O medo do mal na política e do desencontro amoroso são dois pavores reais. Gosto de pensar o Halloween não como jumpscares e coisas de outro mundo apenas, mas utilizar coisas do outro mundo justamente para fazer pensar no banal. Por isso mesmo vejo Stephen King como sendo mais drama do que terror, porque ele sempre aborda em seus livros questões como a Morte, alcoolismo, abuso, bullying, preconceitos diversos, entre outras coisas cotidianas que mexem com nossa formação e nossas ações.
Leia “O PCI aos jovens!!”.